Pesquisadora estuda os hábitos alimentares de primatas na Fazenda São Nicolau (Foto: Raíssa Alves)

Pesquisadora estuda os hábitos alimentares de primatas na Fazenda São Nicolau (Foto: Raíssa Alves)

 

O macaco-barrigudo (Lagothrix cana) e o macaco-aranha-de-cara-preta (Ateles chamek) são as espécies pesquisadas pela mestranda Raíssa Sepulvida Alves. Ambas são ameaçadas de extinção e encontradas apenas em florestas maduras bem preservadas. O objetivo do estudo é avaliar a efetividade da dispersão de sementes realizadas por esses animais. O processo chamado de zoocoria é importante para manter a biodiversidade nas florestas tropicais, uma vez que por volta de 90% das espécies de plantas dependem da dispersão realizada pelos vertebrados. Cores chamativas e polpas carnosas são algumas características das plantas que atraem os bichos, os estimulando a comer os frutos e carregar as sementes para longe.

Raíssa pretende quantificar o número de sementes que as duas espécies de macacos ingerem e dispersam. Ela deve, então, estimar o sucesso de germinação das sementes que passam pelo trato digestivo. Como os animais em questão têm o hábito de retirar a polpa para comer o fruto (sem causar danos às sementes), a pesquisadora pretende analisar se essa remoção reduz a incidência de fungos e, portanto, aumenta a taxa de germinação das sementes.

Para realizar o estudo, Raíssa precisa identificar quais são as espécies de plantas usadas para a alimentação do barrigudo e do macaco-aranha e as rotas realizadas por esses primatas. Sabendo quais são as árvores prediletas e seu período de frutificação, é possível sugerir os locais com maior probabilidade para os grupos de ecoturismo observarem esses macacos. Uma torre de observação já foi instalada pela empresa SouthWild em uma região com a presença das arvores jatobá-mirim (Hymenaea parvifolia) e do calcho (Brosimum rubescens). O avistamento dos primatas se tornou constante nessa área. Mas Raíssa lembra que o monitoramento das árvores deve completar no mínimo um ano, pois o período de frutificação varia entre as espécies (sendo afetado, por exemplo, pelas chuvas).

Com apoio da equipe da Fazenda, Raíssa está mapeando as árvores que fazem parte da dieta dos animais. O mapa deve orientar os melhores lugares para levar os turistas de acordo com as estações do ano. Além disso, atualmente há uma tentativa de habituar o macaco-barrigudo e o macaco-aranha-de-cara-preta com a presença humana na mata. Para isso, a equipe tem seguido o grupo de animais pelo máximo de tempo possível. A intenção é que os bichos realizem suas atividades normalmente quando os turistas estiverem frequentando as trilhas.

 

Mapa da localização dos macacos (Imagem: Raíssa Alves)

Mapa da localização dos macacos (Imagem: Raíssa Alves)

 

A observação dos primatas pode ser divertida. Raíssa já notou que os barrigudos são mais extrovertidos do que os macaco-aranhas. Os primeiros fazem de tudo para serem notados: ruídos, sacodem e derrubam galhos e até defecam em cima das pessoas. Também é comum aparecer um macho adulto com cara de poucos amigos e, logo depois, um pequeno jovem imitando o primata adulto. Os macaco-aranhas já são mais silenciosos e somem rapidamente no meio da floresta.

Raíssa defende o desenvolvimento do ecoturismo na região e acredita que a inciativa na São Nicolau pode servir de exemplo para as fazendas vizinhas. O turismo de observação de primatas pode promover a conservação dessas espécies e a preservação da biodiversidade da Amazônia.  “O turismo incentiva a pesquisa e o monitoramento de populações silvestres e também, a criação de políticas específicas para proteger a fauna silvestre. Em longo prazo, a implementação do turismo contribuiu para aumentar as populações de gorilas, reduzir o desmatamento, a caça ilegal e, indiretamente, incentivou a remoção do gado dos parques, a expansão da segurança local e de programas de educação ambiental”, explica.

A metodologia de pesquisa da Raíssa se divide em duas etapas. A primeira requer o monitoramento dos grupos de Lagothrix cana e Ateles chamek , que são observados com binóculos e seguidos por dentro da mata (com anotações de sua localização por GPS a cada 5 minutos). Quando estão disponíveis, as fezes dos animais são coletadas para verificar as espécies de frutos ingeridos e para experimentos com as sementes, atividades da segunda etapa da metodologia.

Nessa fase, Raíssa utiliza sementes limpas a mão (que simulam a remoção da polpa feita pelos animais), sementes com polpas (como cai da árvore), sementes limpas com fungicida e sementes com polpa e fungicida. Essas sementes são depositadas perto da planta adulta da mesma espécie e a 20 metros de distância. A proposta é checar o quanto a ação dos primatas (remoção da polpa, levar as sementes para longe e a ingestão) aumentam a taxa de germinação para melhor prever o que ocorreria com essas plantas em um cenário sem grandes dispersores de sementes.

A pesquisa, iniciada em março de 2018, faz parte do projeto de mestrado da Raíssa pelo programa de Pós-Graduação de Ecologia e Biodiversidade da UNESP, Rio Claro, SP. A orientação é de responsabilidade da PhD. Laurence Culot – professora do Departamento de Zoologia da UNESP –, dividida com o coorientador PhD. Carlos Peres, professor no Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia, Norwich, Reino Unido. Raíssa foi contemplada com um auxílio financeiro da Rufford Small Grants, instituição do Reino Unido que apoia projetos de conservação.

O fotógrafo Roy Toft acompanhou a excursão da SouthWild no Noroeste de Mato Grosso (Foto: Iris Parrot)

O fotógrafo Roy Toft acompanhou a excursão da SouthWild no Noroeste de Mato Grosso (Foto: Iris Parrot)

 

Entre 28 de julho e 1º de agosto, o biólogo e especialista em ecoturismo, Charles Munn, guiou uma equipe da sua empresa SouthWild para o Noroeste de Mato Grosso, em território amazônico. Entre o grupo, estava o famoso fotógrafo internacional de vida selvagem, Roy Toft. Os profissionais ficaram hospedados na Fazenda São Nicolau, recebendo apoio da ONF Brasil. O contato fortaleceu a confiança de Munn na capacidade da fazenda para entrar no mercado do ecoturismo naturalista (ou “nature travel” em inglês).

As viagens do ecoturismo naturalista apresentam a natureza – fauna, flora e, de uma forma geral, o ecossistema – como a atração principal para os visitantes. A observação das espécies selvagens no habitat natural delas é essencial para esse tipo de aventura, porque a maioria dos turistas apaixonados por natureza, e particularmente pela Amazônia, encontram na prática um jeito de se conectar com o mistério impenetrável da floresta.

Os visitantes buscam e apreciam a possibilidade de ver de perto os animais e as plantas em um belo cenário com boa iluminação que permita o registro fotográfico de qualidade. A experiência de SouthWild demonstra que, para a atividade turística nas florestas tropicais ser um sucesso do ponto de vista social e financeiro, é preciso garantir aparições de vida selvagem carismática. Oferecer apenas trilhas aleatórias na mata, que quase nunca permitem observações de espécies, não garante um bom retorno para o empreendimento, com a criação de empregos sustentáveis no setor do turismo.

Munn defende que o ecoturismo, quando planejado de forma adequada, pode valorizar o habitat e a vida selvagem. O resultado, além da criação de empregos verdes, é o fortalecimento do poder político para proteger o meio ambiente e as espécies selvagens.

No caso do Noroeste de Mato Grosso, a visita de Toft provou ao fotógrafo o grande potencial da Fazenda São Nicolau como um destino para as viagens à natureza. O local pode, em breve, superar as experiências já existentes nas melhores hospedagens de ecoturismo em qualquer floresta tropical no mundo.

Uma maneira de atrair os visitantes para a fazenda é abrir a “cortina verde” e tornar a vida selvagem realmente visível, envolvendo os turistas e conservando a floresta. A equipe da SouthWild encontrou espécies incríveis em cada saída de campo na região do rio Juruena. Por exemplo, atraentes e raros macacos e, em um dos casos, uma observação de perto de uma anta brasileira, o maior animal terrestre da América do Sul. O entusiasmo do grupo foi contagiante com a aparição.

Contudo, para Munn, o “santo graal” foi a observação do Chiropotes albinasus, o Cuxiú-de-nariz-branco. O macaco, ameaçado de extinção, é uma espécie rara, estranha e maravilhosa. O animal nunca antes havia sido fotografado com essa qualidade, aumentando o nível de animação dos visitantes.

Roy Toft (4)

O Cuxiú-de-nariz-branco foi o “santo graal” para os visitantes na região do rio Juruena (Foto: Roy Toft)

Os turistas adoram fazer suas próprias fotos da vida selvagem e dos cenários para depois mostrar para os amigos e para a família. O hábito de postar as imagens nas redes sociais tornou a internet um meio poderoso para multiplicar o valor da beleza das espécies registradas pelos viajantes do ecoturismo.

O posicionamento de destaque da São Nicolau no mercado das viagens à natureza se explica pelos investimentos realizados pela ONF e pela Peugeot, desde 1998, para proteger a floresta de caçadores e do desmatamento. Ou seja, preservou a floresta nativa que hoje está cheia de espécies atrativas que podem ser facilmente vistas pelos visitantes, e a curta distância!

Nenhum outro espaço receptivo na bacia amazônica, acessível por barco ou estrada em menos de quatro horas de um aeroporto comercial, possui estrutura com energia elétrica conectada na rede, mata protegida com animais espetaculares (macacos, antas e grandes pássaros) e ainda a proximidade com o Pantanal, destino de viajantes de natureza de alto nível. Para uma entrada exitosa da ONF Brasil no setor do ecoturismo naturalista internacional, são necessários o planejamento adequado, o investimento localizado e a ajuda de parceiros experientes no ecoturismo.

Com o intuito de apoiar a ONF Brasil, uma equipe de biólogos da SouthWild planeja trabalhar, nos próximos meses, com o mapeamento da ocorrência de árvores com flores e frutos que atraem os animais de interesse dos turistas. O levantamento conta inicialmente com os dados já coletados por diferentes pesquisadores em biodiversidade que atuam na Fazenda São Nicolau. As informações serão complementadas com saídas de campo para coletar novas informações.