24

maio

2016

Terras privadas têm 30% menos floresta do que deveriam

Por forest

Análise preliminar com imagens de satélite sobre amostra de 62% da área registrada no Cadastro Ambiental Rural mostra um passivo de pelo menos 17 milhões de hectares de vegetação em Reserva Legal; faltam ainda 5,4 milhões de hectares em margens de rio

 

Foto: Pixabay/Domínio Público

Foto: Pixabay/Domínio Público

 

Uma análise preliminar feita sobre uma amostra de 62% da área dos imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) aponta que pelo menos 30% têm déficit de Reserva Legal – porção das propriedades particulares que, por lei, deveriam ser preservadas com vegetação nativa.

O número foi obtido pelo Serviço Florestal Brasil, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, a partir do cruzamento das informações declaradas pelos proprietários de terra ao fazer o CAR com imagens de satélites.

Na amostra de 219,5 milhões de hectares (dos pouco mais de 350 milhões de hectares cadastrados até 5 de maio), os proprietários declararam ter 88,8 milhões de hectares (Mha) como remanescente de vegetação nativa (40%), sendo 57,5 Mha de Reserva Legal e 12,2 Mha de áreas de preservação permanente (APP), como as margens de rios e de nascentes.

Imagens de satélite mostraram, porém, que a realidade é menos verde. Da Reserva Legal declarada pelos proprietários, foram analisados 55,7 Mha (excluindo Pará e Bahia, dos quais as imagens não estavam disponíveis) e observou-se que 70% (38,9 Mha) de fato têm vegetação nativa. Já de APP, descobriu-se que apenas 55% estão cobertos com remanescentes (6,8 Mha). Somando os dois déficits (16,8 Mha + 5,4 Mha, respectivamente), são 22,2 Mha de áreas desmatadas que deveriam estar protegidas.

Os dados foram apresentados por Raimundo Deusdará, diretor geral do Serviço Florestal, em evento do Observatório do Código Florestal na última sexta-feira, 20, no Rio de Janeiro. Apesar de ainda serem preliminares (é preciso verificar se algo desse desmatamento foi autorizado) e com base apenas em uma amostra, os números já dão um indicativo do tamanho do passivo ambiental brasileiro.

Antes da realização do CAR, havia estimativas de que o tamanho do passivo podia ser entre 20 Mha e 85 Mha. O governo, de acordo com Deusdará, acreditava que seria algo em torno de 21 Mha. Como ainda faltam avaliar mais de 130 milhões de hectares, o quadro pode ser diferente. Ele acredita que em um mês terá os números finais.

Recuperação. O diretor do Serviço Florestal afirmou, porém, que esses números não significam que tudo terá de ser recuperado. “Ter cerca de 17 milhões de passivo de Reserva Legal bate um pouco com a expectativa da meta do Brasil ao Acordo de Paris de restaurar 12 milhões de hectares no Brasil, porque o resto pode ser compensado em terras que tiverem excedente de vegetação preservada”, diz.

Pela nova lei ambiental aprovada em 2012, que reformou o Código Florestal, quem realizou o CAR até 5 de maio (e os pequenos proprietários que o fizerem até 5 de maio do ano que vem) pode contar com os benefícios do Programa de Regularização Ambiental.

Quem aderir ao chamado PRA não será multado por desmates ilegais até 22 de julho de 2008 e poderá não restaurar o que for considerado área agrícola já consolidada (ocupada até aquela data) em APP. A Reserva Legal tem de ser restaurada ou pode ser compensada – ou seja, o proprietário para para quem tiver excedente continuar mantendo a área protegida.

Floresta privada x pública. Deusdará preferiu destacar um outro dado das análises preliminares do CAR. Há quase tanta floresta em áreas privadas no Brasil quanto há em Unidades de Conservação.

Considerando o que os proprietários declararam como área coberta por Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente e outros remanescentes de vegetação nativa, excetuando Espírito Santo e Mato Grosso do Sul, há 97 milhões de hectares de floresta em propriedades particulares espalhadas pelo País. Já as Unidades de Conservação no Brasil – terras públicas destinadas para proteção da natureza – somam 113 Mha.

“O CAR está nos permitindo enxergar pela primeira vez essa floresta privada. É algo que foi declarado (ainda precisa ser checado), mas é uma coisa que a gente não conhecia. Precisamos arrumar um jeito de remunerar esse ativo e evitar que o proprietário desmate para fazer um uso alternativo do solo”, afirma.

“E ao contrário das unidades de conservação, que estão concentradas na Amazônia, as florestas privadas estão por todo o lado. Na Mata Atlântica, por exemplo, em especial em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, as fazendas têm mais vegetação que o poder público. Não podemos vilanizar esse pessoal. Eles têm de ser reconhecidos pelo papel de conservadores”, complementa o engenheiro agrônomo.”

Nascentes. A análise preliminar mostrou também que na área de 219,5 Mha (com exceção de PA e ES), foi declarada a existência de 1,1 milhão de nascentes. Para Deusdará, isso é um sinal de comprometimento dos proprietários de terra. “Quem declara nascente é de boa fé, porque quando declara que existe uma nascente em sua propriedade, o dono da terra vai ter de cuidar dessa nascente. Deve ter até muito mais. Mas se não fosse o CAR e o Código Florestal, não teríamos como saber onde elas estão, como está o seu entorno, quem é o proprietário e como podemos fazer para recuperar essa nascente”, diz o engenheiro florestal.

Para entender. A lei que reformou o Código Florestal, em 2012, estabelece que propriedades rurais no Brasil têm de manter algumas áreas de vegetação natural protegidas nos formatos de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP).

A reserva legal varia conforme o bioma. Terras localizadas na Amazônia Legal têm de preservar 80% se estiverem em área de floresta, 35% em área de cerrado e 20% em área de campos gerais. Nas demais regiões do País, a reserva é de 20%. Jás as APPs são áreas às margens de corpos d’água e topos de morro que não podem ser suprimidas.
Grosso modo, o que tiver sido desmatado em RL e em APP tem de ser recomposta. Mas o novo código abriu exceções, como a figura da área consolidada, para aquelas que tiverem sido desmatadas até 22 de julho de 2008, e o conceito de escadinha para recomposição à beira do rio – o tamanho da área a ser replantada cresce conforme o tamanho da propriedade.

Fonte: Giovana Girardi – Estadão
* A repórter viajou ao Rio a convite do Observatório do Código Florestal.

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