Os dados coletados em campo são posteriormente processados pelo software Xendra (Foto: Acervo da ONF)

Os dados coletados em campo são posteriormente processados pelo software Xendra (Foto: Acervo da ONF)

De agosto a setembro de 2020, foi realizado o inventário florestal na UPA 2 — Unidade de Produção Anual 2, localizada em região de mata nativa objeto de Plano de Manejo Florestal Sustentável aprovado pela SEMA-MT. As duas equipes que lideraram a ação foram compostas por quatro colaboradores cada e o resultado, após a sistematização dos dados, foi a construção do Plano Operacional Anual (POA 2021), documento exigido para aprovação pela SEMA-MT das atividades de manejo florestal para o ano 2021.

“A atividade de inventário na floresta nativa adentro é bem complexa e cansativa, mas traz um contato direto com a mata e suas belezas: as árvores centenárias e as riquezas de detalhes”, ilustra o engenheiro florestal Alan Bernardes, responsável técnico pelo projeto e coordenador das atividades da Fazenda. 

Outro engenheiro florestal que integrou as equipes, o Antônio Gomes, lembrou também da dificuldade de se realizar a atividade. O grupo anda o dia inteiro dentro da mata nativa, atravessa corpos d’água, enfrenta relevos acidentados e se depara com diferentes espécies de animais, além de árvores centenárias: “A sensação é fantástica, uma árvore de nove metros de circunferência não se vê todo dia”. 

Árvores centenárias surpreendem as equipes (Foto: Acervo da ONF)

Árvores centenárias surpreendem as equipes (Foto: Acervo da ONF)

Anteriormente à realização do inventário é necessário planejar a atividade e preparar a área em campo. De maio a julho, após definição em mapas da área a ser explorada em 2021, duas equipes de campo demarcaram o perímetro da área da UPA 2 na floresta e realizaram a abertura das picadas que estabelecem faixas, a cada 50 metros, para se caminhar. Essas faixas são percorridas sistematicamente pelas equipes de inventário durante o censo. A definição das espécies de interesse para exploração seguem as normas legais e as demandas do mercado.

Em campo os times catalogaram 18.500 árvores, cobrindo uma área de 1.018,00 hectares. Cada equipe é formada por um identificador, dois auxiliares e um coordenador, também engenheiro florestal. Entre as atividades conduzidas pela equipe, estão a identificação dos indivíduos com potencial, seguindo a listagem das espécies de interesse pré-definidas anteriormente, durante a fase de planejamento. A partir de então, as árvores têm suas informações de circunferência, altura e qualidade do fuste inseridas no coletor, permitindo definir a classificação de cada árvore em corte, porta-sementes ou remanescente. No processo, cada árvore ganha um número de identificação único, que é registrado em plaqueta fixada na árvore e no coletor de dados do aplicativo Xendra para Android, junto com as suas características e coordenadas para sua posição geográfica. Essa identificação acompanha a árvore até sua exploração e transporte das toras até a serraria, garantindo a total transparência e legalidade da atividade. 

As árvores são classificadas em “remanescente” ou “corte” de acordo com a sua circunferência. Quando a planta possui mais de 158 cm de circunferência, ela pode, em teoria,  ser cortada. Já aquelas com circunferência entre 95 e 157 cm são definidas como remanescente. Parte das árvores de cada espécie ainda são definidas como porta-sementes: 10 a 15% dos indivíduos de cada espécie, com o objetivo de deixar, na área, matrizes produtoras de sementes. A função das porta-sementes é garantir a regeneração das espécies e a variabilidade genética após a exploração. Algumas espécies nunca podem ser cortadas ou exploradas, independentemente de suas circunferências: é o caso da castanheira, do mogno e da seringueira. Essa metodologia de classificação segue o regimento estadual, que define as regras para o inventário e cálculo do estoque de madeira.

Após o censo florestal, o software Xendra, desenvolvido porClovis Valadares Junior, auxiliou no tratamento dos dados coletados em campo e no equacionamento volumétrico das árvores. São, então, selecionadas todas as árvores de corte, sempre respeitando os limites de volume estabelecidos por lei, que garantem a regeneração natural da floresta e a sustentabilidade da atividade a longo prazo. Uma das principais informações apresentadas pelo POA é exatamente esse volume de árvore a ser extraído, obedecendo o limite máximo de exploração de 30 metros cúbicos por hectare. Esse valor teórico foi definido embasando-se em pesquisas científicas sobre a dinâmica da floresta no estado. Além do volume, no POA são apresentadas as informações da área, todas as atividades de planejamento e exploração, tais como a alocação de pátios, estradas e trilhas de arraste das árvores, além de serem apresentados os cálculos de prognose (estimativa da recomposição da volumetria da floresta após o ciclo de corte, definido em 35 anos). Os POAs são produzidos anualmente a partir do momento que é emitida a Licença Florestal, que autoriza a atividade de manejo florestal na área. Os planos são submetidos à análise do órgão ambiental (SEMA-MT) e sua aprovação leva à emissão da Autorização de Exploração (AUTEX). Os procedimentos e as informações exigidas seguem legislações estadual e federal.

Antonio com uma jabuti (Chelonoidis denticulata), tartaruga frequentemente encontrada na floresta durante os inventários (Acervo ONF Brasil)

Antonio com uma jabuti (Chelonoidis denticulata), tartaruga frequentemente encontrada na floresta durante os inventários (Acervo ONF Brasil)

 

ONF Brasil inventaria estocagem de carbono nas árvores do PCFPO (Acervo ONF Brasil)

ONF Brasil inventaria estocagem de carbono nas árvores do PCFPO (Acervo ONF Brasil)

O levantamento é uma atividade anual realizada desde 2003 nos plantios do Projeto Poço de Carbono Florestal Peugeot-ONF (PPCFPO). O inventário de 2020 aconteceu entre outubro e novembro e avaliou as 419 parcelas permanentes do projeto. O objetivo da atividade é medir o carbono estocado pelas árvores plantadas e pela regeneração natural na área do projeto mediante o acompanhamento do crescimento das plantas.

“Com base nos dados do inventário é possível quantificar o carbono que nossas florestas podem estocar de um ano para o outro. Deste modo, é possível argumentar sobre a importância de manter essas florestas em pé e quantificar qual o valor das nossas florestas para o mundo”, explicou um dos integrantes da equipe do inventário, o engenheiro florestal Roniel Lobo da Silva.

Os colaboradores da ONF Brasil foram organizados em equipes com a liderança de engenheiros florestais auxiliados por dois estagiários também de Engenharia Florestal: Marcos Vinicius da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso) e Mateus Rosante da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e dois assistentes de campo. O Roniel e o Antonio Gomes do Nascimento Junior (estudante do último ano de Engenharia Florestal na Unemat) foram líderes de campo e assumiram a função de atuar na linha de frente, operando os equipamentos e testando nova ferramenta de coleta de dado me campo durante o inventário.

As equipes medem as árvores e inserem os dados no sistema (Acervo ONF Brasil)

As equipes medem as árvores e inserem os dados no sistema (Acervo ONF Brasil)

De acordo com a metodologia da atividade, cada equipe vai a campo com as fichas do ano anterior – tendo acesso aos dados históricos – e coleta os novos dados da remedição das árvores. Este ano, a novidade foi o uso de tablets, garantindo a informatização dos dados. A tecnologia facilita o levantamento dos dados, minimiza os erros e torna as informações mais confiáveis. Para isso, foi desenvolvido um programa com o apoio da ONF International que permitia já inserir os dados diretamente no sistema. 

Durante o inventário, são coletados dados de CAP (Circunferência à Altura do Peito), qualidade de fuste, tipo de fuste, além de informações mais detalhadas, como a presença de cipós ou ataques de pragas e doenças. Também são registradas as informações espaciais de acordo com o GPS do tablet

De volta ao escritório, os dados coletados no dia são centralizados e salvos diretamente no banco de dados da Fazenda. A organização sistemática dos dados históricos no banco de dados e sua espacialização permitirá realizar análises muito mais profundas e multivariáveis sobre as dinâmicas de crescimento e estocagem de carbono das diferentes espécies plantadas em diferentes condições. Também garante uma maior qualidade e coerência de dados.

O Antonio destacou as facilidades do tablet. “Como a gente tem tudo georreferenciado e sabemos onde estamos, fica muito mais fácil de se localizar no mapa e nas parcelas da Fazenda”.

Outra novidade do inventário foi a participação do Luís Henrique de Araújo, estudante de 19 anos que cursa Engenharia Florestal na Unemat. Diferente de outros estagiários que já integraram as equipes da ONF Brasil, o Luís carrega consigo um diferencial: é fruto da Fazenda São Nicolau. Ele é filho do gerente de campo Gilberto de Araújo e da cozinheira Alaíde de Araújo, que vivem na propriedade e trabalham na ONF Brasil desde o início do projeto. Ou seja, Luís nasceu e cresceu na São Nicolau.

A decisão de cursar Engenharia Florestal aconteceu quando estagiários de pesquisa da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) estavam na fazenda e o convidaram para ir a campo.  “Eu percebi que realmente gostava de algo que estava envolvido com a natureza.” 

Em 2020, suas aulas na Unemat foram suspensas por causa da pandemia. Achou melhor se deslocar de Alta Floresta para a Fazenda para ficar com os pais. Nesse período de isolamento, foi convidado para participar do inventário. Conta que foi a primeira vez que teve o contato direto com a coleta dos dados e seu tratamento.

Após o levantamento desses dados, o conteúdo é sistematizado em uma tabela de atributos e os dados podem ser extraídos e utilizados de acordo com o interesse da pesquisa ou projeto – auxiliando em atividades de pesquisa, florestais e agrícolas. É possível, por exemplo, avaliar o crescimento, a distribuição geografia das espécies e avaliar a regeneração. O objetivo principal, no entanto, é computar os dados para estimar o carbono estocado e gerar créditos de carbono, validados pela certificadora VCS (Verified Carbon Standard). Os créditos de carbono assim gerados podem ser comercializados e a receita obtida reinvestida no projeto. Neste ano especificamente, a venda dos créditos de carbono garantiu o equilíbrio econômico do projeto, cobrindo as perdas devidas à paralisação das atividades próprias da Fazenda por conta da pandemia, como ecoturismo e exploração da Teca.

“Foi um inventário bem-feito e organizado. Com este inventário, foi possível a correção de alguns erros dos anos anteriores e, se continuar nesse ritmo, para os próximos anos, teremos cada vez mais dados apurados”, avalia Roniel.

Inventários Florestais são tema de debate ao longo da semana (Foto: SFB)

Inventários Florestais são tema de debate ao longo da semana (Foto: SFB)

Começou ontem (28/01), em Goiânia (GO), o IV Seminário Nacional de Inventários Florestais que irá debater até sexta-feira (01/07) experiências de implementação de inventários no Brasil e no mundo. Nesta edição do Simpósio serão apresentadas experiências em curso em países como Peru, Colômbia, Suriname e Espanha, bem como os avanços, resultados e aplicações do Inventário Florestal Nacional do Brasil (IFN-Brasil).

Conforme explicado pelo diretor de Pesquisa e Informações do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Joberto de Freitas, o IFN-Brasil foi iniciado em 2005 e teve as primeiras coletas de campo realizadas em 2011. Até o momento, já foram visitados mais de quatro mil pontos amostrais em 14 estados do país. A iniciativa deverá coletar dados em cerca de 20 mil pontos, distribuídos em um gride de 20 x 20 quilômetros, para identificação de espécies arbóreas, coletas de amostras de solo, estudos de paisagem e análise das condições ambientais e da saúde e vitalidade das florestas, além de entrevistas com moradores do entorno. A metodologia do IFN-Brasil prevê um monitoramento contínuo, com retorno aos pontos a cada cinco anos.

Sistemas Integrados

O diretor geral do SFB, Raimundo Deusdará, enfatizou o potencial de integração das informações geradas pelo IFN com outros sistemas de informações existentes. “Estamos trabalhando agora com duas robustas bases de dados, esses big datas, que são o Cadastro Ambiental Rural e o Inventário Florestal Nacional. Além das florestas públicas, vamos conhecer também as propriedades rurais do país e, principalmente, a qualidade das florestas que estão nestas áreas. Ao integrar os dados do IFN e do CAR vamos fechar o ciclo e ter um novo olhar sobre a gestão florestal do país”, afirmou.

Evolução

O professor da universidade Georg-August, de Gottingen na Alemanha, Christoph Klein, que participou da primeira iniciativa de inventário florestal realizada no Brasil no início da década de 1980, abordou a evolução dos inventários ao longo dos anos.

Klein explicou que, quando surgiram, os inventários tinham foco majoritariamente produtivo, buscando levantar os estoques de madeira, e, com o passar dos anos, estes passaram a abordar aspectos relativos a biodiversidade e a análise de paisagem. Mais recentemente, a preocupação com as mudanças climáticas fez com que informações sobre estoques de carbono também fossem geradas.

“Inventários têm uma dimensão técnica, mas não podem prescindir de sua dimensão político-estratégica. Os investimentos feitos nos inventários devem proporcionar informações consistentes e confiáveis de forma a aprimorar a tomada de decisão”, explicou.

O IV Simpósio Nacional de Inventário Florestal é organizado pelo Serviço Florestal Brasileiro, em parceria com a Embrapa Florestas e a Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás, e conta com o apoio do Fundo Amazônia/BNDES, Banco Interamericano de Desenvolvimento/CIF, Fundo Global para o Meio Ambiente/FAO.

Saiba mais sobre o IFN – Brasil e acesse os resultados do IFN – Distrito Federal e do IFN – Ceará.

Fonte: Serviço Florestal Brasileiro